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Uro-oncologia: “Nos próximos 5 anos nós já vamos estar com outra medicina”

Declaração de um dos coordenadores do segundo maior congresso da área do mundo aponta perspectivas otimistas quanto aos avanços da uro-oncologia. Evento traz ao Brasil novidades debatidas no cenário internacional.

Ilustração digital com silhueta de corpo humano e aparelho urinário destacado em roxo.

 

Biomarcadores, tratamento multidisciplinar, técnicas de radioterapia, cirurgia robótica, terapia HIFU… Há uma década os profissionais de saúde acompanham o que há de novo sobre os temas que estão em debate no cenário internacional da uro-oncologia em evento realizado no país. “O 10º Congresso Internacional do Câncer Urológico é um marco na área de geniturinário no Brasil e também internacional. Representa o segundo no mundo da área, atrás apenas da Asco-GU”, destaca o oncologista Fernando Maluf, um dos fundadores do Instituto Vencer o Câncer e um dos coordenadores do congresso, realizado em abril com profissionais que fazem a vanguarda e mudam a direção do câncer urológico no mundo hoje.

Comentando as novidades que surgiram e as perspectivas em um futuro próximo em workshop para jornalistas dentro do congresso, Maluf se mostra otimista: “Acho que nos próximos 5 anos nós já vamos estar com outra medicina, diferente da que a gente tem hoje”. O médico refere-se, entre outras novidades, a estudos em busca de biomarcadores, que considera um ponto importante para basear os tratamentos em um preciso mecanismo de ação. “Eles vão nos trazer duas respostas: que paciente vai responder a qual medicamento e quem terá efeitos colaterais graves a qual medicamento. Se chegarmos nesse ponto, vamos evitar fazer remédios desnecessários, salvaguardar custos de modo importantíssimo, poupar pessoas de tratamentos inúteis e promover tratamentos úteis sem atraso”.

O oncologista explica que testes genéticos já conseguem orientar um pouco sobre a necessidade de o paciente ser tratado imediatamente, por ter um perfil gênico desfavorável, ou observado com segurança por 5, 10, 15 anos. “A grande busca agora é essa: além de drogas novas, saber quais são os marcadores que vão nos ajudar a decidir qual o melhor tratamento para qual tipo de paciente”.

 

Novas imunoterapias

Das novas imunoterapias, Maluf ressalta os inibidores de checkpoint, que têm a função de tirar o bloqueio que o tumor exerce sobre os linfócitos e assim o sistema de defesa, o sistema imunológico, consegue atacar o tumor de forma mais efetiva. “Na área de rim nós temos dois esquemas que aumentam a sobrevida de pacientes com doença metastática – um deles envolve dois imunoterápicos em conjunto: Ipilimumabe (inibidor de CTLA4) e Nivolumabe (inibidor de PD-1). O estudo CheckMate 214 mostrou que em comparação com a droga padrão Sunitinibe, esse esquema reduziu o risco de morte da ordem de 37%”.

O oncologista cita ainda outro estudo relacionado ao câncer de rim, apresentado na Asco-GU, o Keynote-426, que mostrou o uso de Pembrolizumabe (anti PD-1) combinado com Axitinibe (antiangiogênico) como terapia de primeira linha para câncer de rim localmente avançado. O tratamento com o novo imunoterápico mostrou-se mais eficaz do que a terapia anterior, de Sunitinibe com outro antiangiogênico, reduzindo em 47% o risco de morte. “Temos então o novo conceito de que no processo de uma doença avançada, não vamos conseguir grande impacto com medicamento único; provavelmente teremos uma conjunção de medicamentos. É o que esses dois estudos mostram: duas imunoterapias que atacam pontos diferentes”.

Maluf avisa que em câncer de bexiga, o Pembrolizumabe foi aprovado em pacientes em quem o primeiro tratamento quimioterápico falhou. Na comparação, esse anti PD-1 possibilitou aumento de sobrevida. “Nós temos essas drogas como padrão para rim metastático, bexiga metastática num segundo momento e próstata metastático refratário num primeiro momento. A grande questão da imunoterapia é que essas drogas são caras, não ajudam a todos e têm efeitos colaterais – embora mais brandos que a quimioterapia”.

“Vivemos hoje um momento inédito na oncologia mundial. Nós descobrimos porque o câncer tira o alimento do resto do corpo e usa para ele – é o primeiro passo. Agora nós conseguimos identificar o motivo pelo qual as nossas células de defesas não atacam o tumor e conseguimos barrar esses dois processos. Estamos em um momento de virada em que, além de curar o que a gente já cura, vamos curar muito mais, de maneira muito mais simples” comemora o urologista Wilson Busato, que também participou do workshop para jornalistas, junto com o urologista Ariê Carneiro e o radioterapeuta Robson Ferrigno.

 

Atenção ao paciente, cuidado multidisciplinar e decisão em equipe

“Hoje em dia não existe cuidado com câncer se não for cuidado multidisciplinar. Precisamos de bons profissionais em toda a cadeia: enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas…”, alerta Maluf. Ferrigno reforça essa ideia: “É importante discutir o caso pela equipe para se definir a melhor estratégia, seja cirurgia, radioterapia, terapia-alvo ou imunoterapia”.

Para Busato, uma das vantagens do trabalho multidisciplinar é que o profissional aprende a escutar os outros membros da equipe – e também ao paciente. “Existe um estudo feito no atendimento pré-primário em Harvard em que eles perguntaram aos pacientes: ‘O que é mais importante para você – um bom médico, com uma boa expertise, com sensibilidade?’. E 83% disseram que queriam ser escutados pelo médico”, diz. “Há um movimento mundial e nós estamos aprendendo a escutar o paciente, saber o que ele quer para tomar uma decisão compartilhada. Mas esse trabalho, essa medicina de qualidade, é a medicina top no mundo. Infelizmente não é a realidade brasileira. Precisamos levar essa qualificação multidisciplinar para todos os cantos do país”.

Ferrigno afirma que muitas vezes o paciente pode ter mais de uma opção de tratamento com o mesmo resultado – por exemplo, radioterapia ou cirurgia – e precisa participar dessa decisão. “Ele pode não querer ser operado ou também não querer fazer sessões longas de radioterapia. O paciente entra na decisão final e cabe a nós oferecer o que há de melhor e apontar as características de cada tratamento. Muitas vezes as pessoas acham que radioterapia é só um tratamento paliativo, mas usamos a radioterapia em muitas situações para curar o câncer. Importante é ter respaldo científico e profissionais que olhem de forma isenta o paciente”, avisa o radioterapeuta.

Busato demonstra a complexidade dessa tomada de decisão lembrando que para um paciente de câncer de próstata com risco intermediário favorável existem 13 opções de tratamentos. “A maneira de errar menos está em uma coisa chamada Tumor Board. Todo mundo sentar junto, discutir caso a caso do início ao fim e tomar uma decisão em conjunto. Está mais do que provado que dessa forma oferecemos o melhor posicionamento para o paciente. Por isso a multidisciplinaridade é a essência da nossa profissão”.

Modelo de financiamento precisa mudar
A discussão, alerta Carneiro, passa pelo modelo de financiamento do médico, que no Brasil ainda é ruim, porque cada profissional ganha conforme sua atuação: o urologista quando opera, o radioterapeuta quando o paciente faz radioterapia. “Esse modelo está mudando para o estilo americano e seremos contratados para cuidar do paciente, para que ele seja direcionado de forma que tenha custo eficácia melhor”, antecipa.

O urologista afirma que nos centros de oncologia bem estruturados já funciona assim, buscando a alternativa em que o paciente terá maior chance de cura, com menos morbidade e, automaticamente, dar menos custo para o sistema. “Se eu indico o paciente para cirurgia ou radioterapia, vou ganhar a mesma coisa. Estarei tratando bem o paciente e quanto menos complicações ele tiver, terei bônus. O modelo de financiamento, principalmente na terapia oncológica, precisa urgente ser revisto. Acho que esse é um ponto crucial. No cenário atual, se o paciente cai na mão de um urologista, por exemplo, ele pode querer indicar prostatectomia”. A boa notícia é que em alguns hospitais esse modelo já está mudando, com o pagamento sendo baseado no valor – de oferecer o melhor tratamento de forma global – e não mais pelo serviço que o profissional presta.

“Essa é uma discussão até da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar, que regula o mercado dos planos de saúde privados). Os convênios estão discutindo esse modelo”, acrescenta Busato. Ele explica que no formato atual, um bom cirurgião, que faz uma excelente cirurgia e o paciente sai no mesmo dia, sem complicação, ganha menos do que um profissional que faz uma cirurgia que resulta em complicações e leva o paciente a tomar mais medicamentos, ampliar a internação e até precisar passar por mais duas ou três operações. “O modelo está todo errado e nós estamos discutindo isso. O governo já faz um pouquinho disso – o SUS (Sistema Único de Saúde) paga na forma de pacotes; só tem que incorporar no modelo a eficiência do processo”.

 

Novas tecnologias: cirurgia robótica e técnica HIFU

Carneiro chama atenção para as mudanças que a tecnologia traz aos tratamentos do câncer de próstata. “A mudança vem carregada de tecnologia – e maior custo, o que torna pouco acessível para muitas pessoas num cenário de um país subdesenvolvido como o nosso. Mas se você consegue usar a tecnologia a seu favor, se reduzir custo e aumentar eficácia, esse aumento de custo pode ser relativo. O investimento inicial pode ser um pouco mais caro; no entanto, o benefício de retornar esse paciente para a sociedade, para trabalhar, o pai de família voltar a pagar suas contas o mais rápido possível, esse investimento acaba valendo”. Dentro desse cenário o urologista explica dois métodos com que atua: a cirurgia robótica e a técnica HIFU.

A cirurgia robótica, alerta Carneiro, já está bem estabelecida no tratamento de câncer de próstata e oferece menos complicações, menos sangramentos. “A cirurgia considerada padrão no Brasil hoje é a cirurgia aberta, que pode ser da forma convencional, laparoscópica ou laparoscópica assistida por robô. As três técnicas têm o mesmo resultado oncológico. A robótica muda a prática clínica, com redução das taxas de transfusão e de sangramento e a recuperação mais precoce do paciente. Quanto aos benefícios funcionais, que são impotência e incontinência, ainda há questionamentos, mas na prática clínica se constata uma melhora importante nesses aspectos, uma recuperação mais rápida – mas em um ano as taxas de continência são iguais. O principal fator é quem está fazendo ser um bom ou mau cirurgião”.

HIFU é uma terapia baseada em som de alta frequência, com a introdução de um ultrassom transretal que emite ondas, convergindo as ondas em um ponto focal único. Conforme explica Carneiro, nesse ponto focal tem-se um aumento da temperatura e um choque de células, que mata as células. “É como se fosse uma lupa que pega o sol, converge e mata a formiga. Você converge energia num ponto focal e o tecido naquele foco é destruído”.

Entre as vantagens está o fato de não fazer cortes nem incisões e o paciente ter alta no mesmo dia, podendo voltar às atividades normais. Mas o urologista faz um alerta: ela é restrita a casos selecionados. “É um tratamento validado por todas as instituições regulatórias dos Estados Unidos e do Brasil. O que não se recomenda – e eu também não recomendo – é usar como primeira linha de tratamento para todo tipo de paciente. Há pacientes que são candidatos e os que não são candidatos”. Para pacientes com recorrência pós-radioterapia, ele recomenda como primeira linha de tratamento, ao invés de cirurgia.

“Pacientes com doenças muito iniciais, de baixo risco, não faço nada – procuro observar o paciente, que é a vigilância ativa. A pacientes com risco intermediário eu ofereço inicialmente o tratamento radical conforme os guidelines, a radioterapia ou a cirurgia, e o HIFU para casos selecionados: com doença de baixo volume ou pacientes com contraindicação aos tratamentos convencionais – paciente com múltiplas cirurgias abdominais prévias, com cirurgia na próstata prévia ou aquele paciente que não deseja se submeter aos riscos de um tratamento radical”.

Entretanto, o urologista destaca que o HIFU é inferior oncologicamente ao tratamento radical, porque só trata metade da próstata. “Esse paciente já tem um fator de risco e pela outra metade da próstata ele continua com fator de risco de desenvolver tumor, o que pode acontecer em 15 a 20% dos pacientes”. A contrapartida, diz, é um melhor resultado funcional: baixa taxa de incontinência e baixa taxa de impotência sexual. “É isso que você põe na balança para o paciente: quer uma terapia que cure 90% com risco de ficar impotente de 50 a 60% ou uma nova terapia que cura 80% (ou seja, 10% a menos que a terapia radical), no entanto com menor chance de deixar impotente ou incontinente. A terapia HIFU entra no cenário como tentativa de evitar ou adiar o tratamento radical. A chave do segredo é escolher qual o paciente candidato para essa terapia. Hoje eu consigo fazer HIFU em apenas 1 / 3 dos pacientes que me procuram para a técnica. Os que têm já doença um pouco mais avançada é operado ou encaminhado à radioterapia.

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