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As chances perdidas na pesquisa clínica no Brasil

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Nas últimas décadas a ciência conseguiu importantes avanços na pesquisa básica, aquela que acontece nas bancadas dos laboratórios.
No entanto, esses progressos não se traduziram em grandes benefícios, conforme se imaginava, em particular para os pacientes com câncer.

Hoje já podemos realizar o sequenciamento genético de todo o DNA humano, analisar células individualmente, desvendar o complexo funcionamento do sistema de defesa do corpo e identificar as principais proteínas responsáveis pela sobrevivência das células tumorais.

Era de se esperar, então, que tivéssemos alcançado melhorias mais expressivas em prevenção e tratamento dos tumores. O período de desenvolvimento de uma droga, que contempla desde a sua descoberta até o uso na clínica, variava entre 15 e 20 anos.

Hoje, em muitos casos, esse período já caiu pela metade, dada a alta efetividade das novas terapias. Com isso, muitos pacientes, em diversas partes do planeta, já podem se beneficiar dessas novas drogas em estudos clínicos antes de sua aprovação. Mas esse cenário não se repete no Brasil. A morosidade na aprovação de estudos inviabiliza que o país participe de pesquisas que dariam acesso aos pacientes a tratamentos que poderiam permitir a cura, maior sobrevida ou qualidade de vida.

Já conhecendo a situação do Brasil, muitas vezes os responsáveis pela pesquisa sequer contemplam os centros nacionais para participar de estudos globais, pelo simples fato de que esses estudos competitivos terminariam antes de sequer serem iniciados no Brasil. No centro do problema está o requerimento de aprovação pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), bem como a admissão pelos comitês de ética em hospitais e universidades.

Esse processo que duplica a necessidade de aprovação ética resulta no cenário que vemos hoje. O Brasil acaba ficando de fora de importantes inovações terapêuticas, tornando-o, consequentemente, um mero importador de informações científicas, em vez de um importante gerador desses dados. Outro ponto é que os pacientes que já não respondem mais aos tratamentos convencionais perdem a chance de ter acesso aos medicamentos mais inovadores, que poderiam fazer uma diferença significativa no prognóstico.

Do mesmo modo, portadores de tumores muito agressivos, cujas respostas aos tratamentos existentes são baixas, poder-se-iam se beneficiar de medicamentos promissores. Por falta de acesso aos protocolos clínicos, perdemos a chance de aprender novas possibilidades terapêuticas, prejudicando a formação e atualização do profissional.

A falta de experiência se aplica também ao conhecimento científico, uma vez que o médico deixa de ter acesso aos novos dados, que poderiam levar à geração de novas ideias, novas soluções para quadros clínicos hoje sem resposta. A própria experiência administrativa na organização de estudos desse porte no Brasil acaba sendo perdida por falta da participação do país em pesquisas globais. Uma consequência clara de todo esse cenário é a baixa produção científica clínica do país, que hoje é praticamente irrisória. Fomos meros expectadores dos grandes avanços que a Oncologia Clínica observou nos últimos anos.

Para agravar esse contexto, os entraves burocráticos e alfandegários na importação de medicamentos e insumos sem priorização atrasam ainda mais o início de estudos no Brasil. Vale mencionar ainda, o quanto se economizaria, ao arrolar pacientes para protocolos clínicos, nos gastos envolvidos no cuidado do paciente oncológico, já que os protocolos são todos custeados. Os reguladores de estudos clínicos em todo o mundo conseguem manter os mais altos padrões de segurança a eficácia em seus processos, sem perder a oportunidade de participar de importantes pesquisas mundiais, coisa que no Brasil não acontece.

No afã de se mostrar mais rigoroso em seus controles, a Conep permitiu que estudos tramitassem às vezes por mais de ano, impossibilitando o acesso a novas pesquisas clínicas no Brasil. Este período de análise pela Conep é da ordem de 10 vezes o observado em vários países europeus, por exemplo.

A atuação dessa comissão necessita urgentemente de uma revisão no seu atual comportamento funcional, se quiser reverter esse cenário atual. Isso é fundamental para que o Brasil não fique excluído de pesquisas de novos tratamentos para o câncer. O tempo de todo o processo de aprovação (do início ao fim) das pesquisas de protocolos clínicos no Brasil não deveria passar de dois a três meses. Isso é possível. Basta haver vontade política e uma profunda reestruturação do cenário atual. O que acontece hoje é inaceitável.

A sociedade e o paciente brasileiro merecem mais, afinal o câncer merece ser estudado e tratado de frente.

FERNANDO COTAIT MALUF, 44, é chefe da oncologia clínica do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes do hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.

PHILLIP SCHEINBERG, 44, onco-hematologista do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 18/09/2015.

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